Brasileiros garantem:<br>«não vai ter golpe!»
As manifestações convocadas pela Frente Brasil Popular (FBP) reuniram, sexta-feira, 18, cerca de um milhão e 350 mil pessoas em todos os estados do Brasil em defesa da democracia, calcularam os promotores.
A Frente Povo Sem Medo convocou para hoje, 24, novas manifestações
A mobilização massiva contrastou pela amplitude, consciência e composição com as movimentações realizadas dias antes pelos defensores da impugnação do mandato da presidente Dilma Rousseff, eleita com mais de 54 milhões de votos.
Nos desfiles e concentrações convocados em defesa da democracia e da Constituição, e contra a destituição da mandatária, considerada uma reclamação golpista, sobressaíram as iniciativas realizadas na Avenida Paulista (mais de meio milhão de pessoas), palco da maior marcha da oposição de direita, realizada domingo, dia 13, a que não faltaram nazi-fascistas e, sobretudo, fracções da burguesia portadoras de um discurso e uma prática reaccionários face aos avanços progressistas verificados no país. As imagens de um grupo de membros da extrema-direita a fazerem a saudação nazi-fascista, e de uma família abastada que se fez acompanhar na «passeata» pela ama negra dos filhos, tornaram-se icónicas na denúncia da classe que saiu à rua a pedir a destituição de Dilma e a prisão de Lula, com favorável cobertura por parte da comunicação social autóctone e estrangeira.
Na última sexta-feira, 18, para além da gigantesca acção na principal e artéria metropolitana paulista, na qual participou e tomou a palavra o ex-presidente Lula da Silva, ocorreram também grandes manifestações no Recife (200 mil), Fortaleza, Salvador e Belo Horizonte (100 mil em cada), Brasília e Rio de Janeiro (50 mil em cada), Porto Alegre, Belém, Curitiba, Natal, Aracáju e João Pessoa (30 mil em cada), Manáus e Florianópolis (15 mil em cada), estimou a FBP, plataforma que reúne 60 organizações políticas, sociais e sindicais brasileiras.
A anteceder o levantamento pacífico sob a consigna «Não vai ter golpe», centenas de intelectuais, magistrados e juristas, personalidades da cultura, do entretenimento e do desporto, líderes políticos e sindicais de diversos sectores e estratos etários, expressaram-se, sob diversas formas, em defesa da democracia, apelando a que face à tentativa de superação da legalidade prevalecesse a vontade popular.
Entretanto, a Frente Povo Sem Medo, convocou para hoje, dia 24, uma nova série de manifestações pelo Estado Democrático de Direito e contra as manobras jurídicas e mediáticas de manipulação e intoxicação pública cujo objectivo é promover um golpe no país a pretexto da corrupção pretensamente endémica aos que agora exercem o poder.
Alimentado pela direita, o discurso anti-partidos e revanchista face a algumas conquistas sociais e laborais alcançadas desde que o Partido dos Trabalhadores e os seus aliados governam o Brasil, já deu azo a acções violentas, casos do ataque à sede do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em Mato Grosso do Sul, na noite de sexta-feira, 18, ou à sede do sindicato dos metalúrgicos, em São Paulo, invadida pela polícia uma semana antes, dia 11.
Judicialização da política,
politização da Justiça
A semana passada, Lula da Silva aceitou ser ministro da Casa Civil. O convite foi feito terça-feira, 15, por Dilma Rousseff, e aceite pelo ex-presidente no dia seguinte. Um juiz federal, Sérgio Moro, decretou, entretanto, que Lula da Silva não poderá assumir o cargo, o que, a acontecer, remeteria para o Supremo Tribunal Federal (STF) a competência de permitir o prosseguimento de eventuais acusações contra Lula da Silva.
Sérgio Moro está no centro de uma polémica devido à difusão na Rede Globo, por estes dias, de uma conversa telefónica entre Lula da Silva e Dilma Rousseff. Moro não esconde a sua simpatia golpista, ostentando-a mesmo nas redes sociais.
Posteriormente, um magistrado do já referido STF, Gilmar Mendes, decidiu favoravelmente uma nova medida cautelar que impede Lula da Silva de assumir o cargo equivalente ao de primeiro-ministro no regime democrático brasileiro. Só no próximo dia 30 de Março a corte judicial deverá voltar a avaliar o caso, mas, de passagem, Gilmar Mendes devolveu o processo ao titular da investigação chamada de Lava Jato: Sérgio Moro.
Na quinta-feira, 17, durante a tomada de posse de quatro novos ministros, entre os quais Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff considerou grave para a democracia e para a Justiça do Brasil a divulgação de uma escuta ilegal por parte do juiz Sérgio Moro. Nesse mesmo dia, no Congresso, foi dada posse a um grupo de trabalho cuja função é avaliar o pedido de demissão compulsiva de Dilma Rousseff. Entre os 65 legisladores, a maioria receberam ou são suspeitos de terem recebido, em algum momento, donativos de empresas escrutinadas na operação Lava Jato.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que está a ser investigado por corrupção, lavagem de dinheiro e violação do decoro parlamentar na Comissão de Ética, defende que até meados de Abril o parlamento poderá votar a destituição de Dilma. O Supremo Tribunal Federal já avisou que um juízo político ao mandato da presidente brasileira só poderá ser feito pelo Senado.
Desde meio do ano passado que Dilma Rousseff é alvo de uma intensa campanha descredibilização envolvendo-a em casos de corrupção na petrolífera estatal, a qual procura ainda impedir que Lula da Silva se volte a candidatar à presidência em 2018. Lula da Silva foi mesmo detido para interrogatório no âmbito das investigações à teia criminosa na Petrobras (o já citado processo Lava Jato, que conta até ao momento com mais de 90 condenações), embora a detenção se tenha efectivado sem provas sólidas, alega o ex-chefe de Estado. A prisão, no dia 4 de Março, foi efectivada com grande aparato policial e mediático.